PENTECOSTALISMO: DESAFIOS À PASTORAL

Este texto pretende contribuir com a reflexão pastoral, já que no dia a dia lida com o movimento pentecostal. Para melhor e mais justamente fazer o apanhado sobre esse movimento teremos como referências alguns autores, como Libânio, com sua obra “Cenários da Igreja”; o teólogo luterano Hahn, autor da obra “O Espírito Santo”; também contaremos com a contribuição do catedrático da Gregoriana Sullivan, autor de ‘Carismi e Rinnovamento Carismatico” e ainda com o pesquisador brasileiro, Alderi de Matos.

1. Introdução
O tema sobre o pentecostalismo não pode fugir ao paralelo entre este e o Pentecoste, de modo que um primeiro propósito é a verificar a proximidade e distância que há entre aquele evento narrado em Atos dos Apóstolos e o movimento pentecostal; Uma constatação histórica é que após o período bíblico surgiu um líder cristão chamado Montano, no século II, que alegava visões e revelações particulares, pelo que adquiriu autoridade acima da Igreja para anunciar o evangelho. Esse teria sido o primeiro germe do pentecostalismo, depois, surgiram nos séculos XIV e XX, movimentos no interior do protestantismo norte-americano fenômenos de revelação particularizadas e glossolalia (falar em línguas), e daí surgiria o movimento pentecostal. Com isso se demonstra que o pentecostalismo tem uma gênese personalista. São entes que recebem revelações privadas e dons particulares, e que rompem com a tradição da Igreja Católica e das Igrejas históricas da Reforma.
O pentecostalismo do século XX, século no qual realmente se cimentou, só o pode devido ao contexto cultural, a tanto, que a migração do movimento para as igrejas históricas só se deu com força a partir de década de 1960, período das liberdades sexuais, das revoluções por liberdade. Nesse período, o eu vai gradualmente assumindo o primeiro lugar, que antes era do nós. É uma tendência que se arrasta desde essa década até os nossos dias. Com essa emergência do eu, surge um modo religioso que o ampare, que esteja de acordo com a cultura, em especial com a cultura neoliberal, onde o consumo passa a marcar definitivamente o valor da pessoa. Aqui também, o consumo passa a marcar se a pessoa é ou não religiosa. Os pentecostais são marcados profundamente pelo montante de dinheiro que fazem circular em mercadorias religiosas. Lógica neoliberal é tão presente no mundo pentecostal, que favoreceu a inauguração do movimento neopentecostal, que se sustenta em uma das mais firmes bases neoliberais: o consumismo. Travestido na religião como teologia da prosperidade.
São muitas as janelas de discussão que se abrem, contudo fixemos o olhar no movimento pentecostal, sua origem, características e expansão.

2. Elemento histórico
Na história do cristianismo sempre foi relevante a presença da terceira Pessoa da Trindade Santíssima; é o que narra At 2, como tantas outras passagens, mas é especialmente na comunidade de Corinto onde acontecem expressões “carismáticas” vindas do Espírito; naquela ocasião, São Paulo tenta esclarecer que os dons do Espírito Santo estão sempre para o bem da comunidade, ele é integrador, a finalidade primeira é a comunidade (1Cor 14,4). Contudo, o que ocorreu em Corinto e em outras comunidades paulinas, não necessariamente é o mesmo fenômeno que se passa hoje no movimento pentecostal. Segundo Sullivan, “a glossolalia de Corinto não se tratava simplesmente de suspiro ou gemidos inarticulados, mas de um discurso semelhante a uma linguagem, incompreensível, seja a quem reza, seja a quem escuta” (Sullivan p. 145, tradução própria). Portanto, a comunidade de Corinto  não necessariamente coincide com a realidade que se apresenta hoje. E no mais, os dons do Pentecoste, dom de ser entendido em várias línguas (At 2, 11) é de fato o que se passa com Pedro. Ele não fala em várias línguas e nem em uma língua estranha a todos, mas pelo contrário, ele é entendido por pessoas de línguas distintas. Isso quer dizer, o Pentecoste é integrador, a sua linguagem é entendível a todos os ouvintes.
Outro movimento que pode se prestar como uma expressão pentecostal, é o movimento Montano. Já citado antes, esse movimento caracteriza bem a identidade pentecostal. Montano, homem piedoso, intitulou-se detentor de revelações privadas. Ainda no século II, seu movimento logo rompeu com a Tradição Apostólica, alegando ter comunicação direta com o Espírito Santo; essa convicção foi tão forte, que o movimento de Montano rompeu até mesmo com as Sagradas Escrituras. O nuclear no montanismo é a profecia, isto é, a comunicação direta com Deus, as visões e profecias. Este movimento traz elementos semelhantes aos que encontramos hoje no movimento pentecostal, tanto de corte protestante, quando católico. Esses “espirituais” sempre voltaram ao longo da história do cristianismo, sempre alegando estreita intimida com a terceira Pessoa da Trindade.
Há um elemento que está ainda no período apostólico que é o batismo no Espírito Santo. Ali, o batismo no Espírito Santo é o que distingue o batismo de Jesus, daquele aplicado por João Batista (Mc 1,8). Esse batismo é na tradição apostólica o ingresso na comunidade dos fiéis, e para o credo católico há um só batismo, no entanto, “quando os católicos iniciaram a aprender parte da experiência pentecostal, aceitaram em geral o termo ‘batismo no Espírito Santo'”, o que cria uma dificuldade com a doutrina da Igreja. São Tomás de Aquino, tratando da possibilidade de uma segunda vinda do Espírito Santo, compreende que essa nova vinda não pode se tratar de um carisma novo somente, mas mais rica é essa presença, que muda a alma da pessoa, ou seja “o novo tipo de presença não se pode implicar uma mudança em Deus; contudo, o que se dá mesmo, é uma verdadeira mudança, na pessoa na qual Ele se faz presente” (Sullivan, p. 76). De modo que a uma nova vinda do Espírito Santo na doutrina católica está plenamente associada à vida sacramental: crisma e ordem. Contudo, o preceito pentecostal, por suas raízes protestantes, logo se desvincularam do elo sacramental, e puseram o batismo no Espírito Santo como elemento fora dos sacramentos, e sua efetivação se daria por meio de um sinal: o dom de línguas.
Essa compreensão do dom de línguas se encontra mais salientemente no século XX, quando em “1900, um pregador metodista…criou um instituto bíblico na cidade de Topeka, no Estado do Kansas…há cerca de dez anos ele vinha ensinando a glossolalia- falar em línguas desconhecidas e estrangeiras- deveriam acompanhar o batismo no Espírito Santo.’ (Matos, in http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__2/Alderi.pdf, acessado em 16 de janeiro de 2015). O dom de línguas passaria a ser, a partir do século XX, a distinção do movimento pentecostal em relação aos demais movimentos protestantes.
Os católicos pentecostais tiveram que explicar o termo batismo no Espírito Santo, uma vez que estava em discordância com a doutrina sacramental da Igreja. Nessa explicação passaram a entender o batismo no Espírito Santo como uma efusão na experiência consciente, do Espírito que já estava presente desde a celebração da iniciação cristã (batismo e crisma) (Sullivan, p. 68). Essa explicação se avizinha à visão de Tomás de Aquino, diz Sullivan, “o primeiro ponto que ele [Tomás de Aquino] considera é que quando falamos do envio de uma pessoa Divina, não podemos pensá-lo como um movimento de um lugar a outro, ou um devir presente onde a Pessoa não estava presente antes. Pois o que acontece é  que o “devir” presente da Pessoa Divina se dá onde ela já estava, mas agora com um novo tipo de presença.” (Sullivan, 76).

3.  Pentecostalismo: alguns elementos
Antes de elencarmos mais propriamente suas características, vale colocar em paralelo o movimento pentecostal e o evento do Pentecoste. Segundo Hahn, um teólogo luterano, “o Espírito Santo agrega as pessoas. Age de maneira a proporcionar unidade e extingue as cisões e divisões” (Hahn, p. 21). Ele se refere a isto baseado em At 2,41, quando do batismo após o discurso de Pedro. Mas podemos ir além. O próprio discurso de Pedro em At 2 é agregador, ao revelar o mistério de Jesus e ao ser entendido por gente de diversas origens étnicas e de idiomas distintos. É o Espírito que se serve à unidade, pois “o Espírito Santo vincula não apenas as pessoas a Deus, mas também as pessoas entre si. a fé cristã remete sempre à comunidade” (Hahn, p. 23). Essa insistência de Hanh na unidade operada pelo Espírito Santo talvez se dê por  a Igreja Luterana ter experimentado uma das distinções entre o Pentecoste e o pentecostalismos: a dispersão. Sim, à medida que a revelação é particularizada e abre-se mão de toda e qualquer tradição eclesial, para se viver guiado por um vidente, surge então a dispersão. A tanto que uma distinção entre o Pentecoste e o pentecostalismo é que o primeiro dá corpo à Igreja, já o segundo origina grupos distintos dentro do cristianismo. O pentecostalismo torna a experiência cristã individualista e por tal mais pluralista, de modo que ‘quanto ao perfil de grupos pentecostais, não se pode reconhecer para eles uma doutrina representativa, já que são consideráveis as diferenças, entre os diversos grupos.” (Hahn, p. 47).
O cristianismo de corte pentecostal se difere essencialmente do Pentecoste por em muitas de suas expressões abrir mão do ensinamento dos Apóstolos, romper com a Tradição. Essa ruptura seria já uma característica acentuado do movimento pentecostal, pois mesmo no meio protestante, há rupturas com a proposta da Reforma, para dar origem a uma nova Reforma Protestante, dentro do próprio protestantismo. Isso acontece em especial no movimento neopentecostal.
No seu livro “Cenários da Igreja”, Libânio ao passar do cenário institucional ao carismática elenca algumas características de diferenciação entre esses cenários, a saber, “passar-se-á para um cenário quase oposto. Em vez da instituição, triunfará o carisma. Em vez da lei objetiva, a subjetividade. Em vez do clima controlado das normas litúrgicas, a exuberância da emoção” (Libânio, p. 49). Esse paralelo levanto por Libânio coloca em relevo a chave de acesso ao pentecostalismo: a emoção. Ao se falar emoção, o que se quer dizer mais a fundo é subjetivismo. A religião pentecostal retirou do centro da fé os formalismos das diversas tradições cristão, e trouxe o subjetivo. Cada indivíduo vive sua experiência de Deus. Perde gradualmente a consciência de Povo e entra a consciente do eu diante de Deus.
A mudança de acento do nós para o eu se mostra em especial na música e na produção literária. As músicas deixam de evocar qualquer compromisso social, para referir-se ao íntimo de um eu que deseja algo de Deus. É uma relação profundamente pessoal. Os livros, tanto do pentecostalismo protestante, quanto católico vão se confundir com livros de autoajuda, beirando o esoterismo, com fórmulas mágicas para a felicidade e para se ganhar dinheiro. Tudo isso acontece em função da centralidade no eu na relação com Deus. Poderíamos dizer: se a glossolalia é o sinal do batismo no Espírito Santo, a centralidade do eu é a marca mais peculiar do pentecostalismo.
Poderíamos nos perguntar: porque essa emergência do eu?-  Há muitos escritos sobre a pós-modernidade e o predomínio do subjetivismo e individualismo. Sobre isto escreve Lipovetsky (filósofo francês), que nos dias atuais o que importa é “a vida em fluxo nervoso”, tudo assume um caráter imediato, com relações tênues, por isso os valores mudam e ainda se soma a isto a competitividade presente na vida escolar, vida de trabalho e até mesmo na vida familiar. Tudo isso traz plausibilidade à centralização do eu. E diante de tal realidade a prática religiosa passa a assumir as mesmas características da cultura: subjetivismo, centralidade do eu, competitividade, consumo, religião da imagem, midiática. O que a faz facilmente romper com a tradição, o que é problemático para o pentecostalismo católico, uma vez que a Tradição é um elemento fundamental na sua doutrina.
Olhando as características do pentecostalismo, Libânio expõe algo que não só a ele, mas nós também surpreende, “um balanço teológico deixa-nos perplexos- tal cenário se anuncia mais religioso que cristão. Pode-se falar mesmo que tem traços neopagãos. Mais que expressão de uma autêntica Igreja de Cristo” (Libânio, p. 54). Para dizer isso ele se baseia na leitura da Palavra que é feita mais de forma esotérica que como caminho de conversão (Libânio, p. 65); e as diversas formas de presentismo que dispensam vinculação com um compromisso maior, como com o Reino de Deus. Mostra-se e vive-se uma religião fundamentalista, mas com pouco influxo sócio-transformador. É uma religiosidade repleta de curandeiros, basta ver as diversas exposições na mídia. Os movimentos de massa se dão especialmente sustentados em coisas mirabolantes, tal qual a busca pagã para sair do sofrimento, para fugir de sua condição humana. As pessoas no paganismo não buscavam as divindades por convicção de fé, mas por alguma superstição vinculada a amuletos, a textos esotéricos e a visões mirabolantes.
O que a história apresenta de vantajoso nesse movimentos, é que os diversos teóricos, mesmo teólogos católicos e protestantes visualizaram um enfraquecimento mortal para o cristianismo na passagem do segundo para o terceiro milênio, contudo, não só devido a ele, mas também contando com ele, o cristianismo entrou no terceiro milênio com grande expressão de presença. O pentecostalismo trouxe um renovado ambiente cristão, fincado nas emoções e numa nova forma de vincular-se à Deus, isto é, quase não se precisa mais de uma instituição. O clero é substituído por leigos carismáticos, que levam massas às sua pregações; as missas perdem o patrimônio litúrgico e passam a assemelhar-se com os cultos pentecostais, é o que se chamou no século XX de missa-show. Em verdade se pode aprender algo com isso, contudo é preciso se perguntar: assim somos mais cristãos ou só mais neoliberais?
Todo o ambiente pentecostal, por estar estreitamente identificado com a cultura neoliberal é um movimento que atrai, é um movimento que segundo o censo de 2000 tinha 67% dos protestantes do Brasil, na época, mais de 17 milhões de pessoas. No catolicismo fala-se em mais de 10 milhões de pentecostais no Brasil. O pentecostalismo é de fato um fenômeno digno de nota e “alvissareiro para alguns e inquietante para outros- é a adoção da cosmovisão pentecostal nas igrejas históricas, quer católica, quer protestantes, através do chamado movimento carismático ou de renovação” (Matos in http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__2/Alderi.pdf). Para o teólogo luterano Huhn trata-se de uma resposta, diz ele: “também nas igrejas históricas verifica-se uma resposta ao movimento pentecostal. Nos anos de 1960 também houve movimentações eclesiásticas na Igreja Católica Romana, na Igreja Anglicana e nas igrejas protestantes” (Hahn, p. 52).

4. Conclusões pastorais
O movimento pentecostal é uma realidade histórica, que penetrou o ambiente cristão, em especial nos países da Áfria e Américas; sua força se encontra, salvo Estados Unidos, em países pobre ou emergentes, como o Brasil. De modo que se afirma como alternativa de inclusão no mundo do consumo. Exatamente isto, ao a camada mais pobres ingressar em um grupo pentecostal ou neopentecostal, nas periferias das grandes cidades, deixam de ser anônimos e passam a ser pessoas distintas. Com a ocupação midática, o movimento passou a mexer com a autoestima de seus membros. As obras faraônicas, nas quais eles têm parte também os faz sentirem-se importantes. Pelo que o pentecostalismo presta esse serviço: inclusão no mundo do consumo; é algo a que a pastoral deve atentar, pois daí decorre todo um mercado religioso distinto das lembrancinhas de santuários. Surge um mercado fonográfico gospel, agenda de shows, programas de TV e rádio. Tudo em nome da evangelização. Do ponto de vista pastoral é preciso entrar nesse contexto, mas sem perder o Cristo servo-sofredor.
A pastoral também se depara com o patrimônio liturgico e a novidade pentecostal. Como teve origem no mundo protestante, em especial nos Estados Unidos, o pentecostalismo pouco possui de rito, de decoro cerimonial, tudo acontece na medida do pregador. É dele as normas e as façanhas no culto. Por outro lado, no ambiente católico o culto é um patrimônio sagrado, isto é, divino, que não pode e nem deve se sujeitar a cada padre ou grupo de pastoral, por isso a liturgia sofre o desafio de não perder a sua essência, mas também não abandonar essa realidade onde predominam as emoções. É um desafio pastoral para se buscar a justa medida.
Outro elemento para a pastoral frente ao pentecostalismo é a autonominação. Um exemplo é o termo ministério. No ambiente protestante isso é mais flexível, pois são muito mais personalistas e menos institucionais; já para o ambiente católico um ministério somente o é de fato quando conferido por um Bispo; portanto, ninguém pode se intitular ministério de música, ministério de pregação…e assim vai; isso é uma clara influência do ambiente pentecostal protestante. Sobre isso trata o Documento de Estudo 107 da CNBB.
Por fim, muito mais se poderia dizer, contudo, em vistas de não mais me alongar fico por aqui. Que as nossas comunidade católicas, à luz do Espírito Santo, possam no amadurecimento da fé encontrar o bom termo para, sem abrir mão do que ela é de fato, abraçar novidades que ajudem na sua lida pastoral.

Abimael F. NascimentoMestre em Teologia Sistemática e Especialista em Psicopedagogia

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